A Guerra de
secessão: Origens e desdobramentos
Ao formalizar a criação
de uma República Presidencialista e Federalista, a Constituição
norte-americana de 1787, concedia autonomia para cada Estado decidir por
seu destino em vários aspectos, inclusive no tocante à mão-de-obra.
Nesse sentido nem a independência dos Estados Unidos em 1776 e nem a
Constituição, irão representar algum avanço para população negra
nos estados sulistas, que permanecem com mão-de-obra majoritariamente
escrava. A manutenção da escravidão no sul (atual sudeste), associada
ao latifundiário, contrastava-se cada vez mais com o norte (atual
nordeste), industrial e abolicionista.
Durante a primeira metade
do século XIX a integração de novos territórios através de aquisição
ou de guerras transformou os Estados Unidos num grande país. O
crescimento foi intenso e acompanhado de um rápido aumento da população,
muitos imigrantes europeus atraídos pela facilidade de adquirir terras.
Esse cenário torna ainda mais flagrante, o antagonismo entre o norte e
o sul.
No norte, o capital
acumulado durante o período colonial, criou condições favoráveis
para o desenvolvimento industrial cuja mão-de-obra e mercado
encontravam-se no trabalho assalariado. A abundância de energia hidráulica,
as riquezas minerais e a facilidade dos transportes contribuíram muito
para o progresso da região, que defendia uma política econômica
protecionista. Já o sul, de clima seco e quente permaneceu estagnado
com uma economia agro-exportadora de algodão e tabaco baseada no latifúndio
escravista. Industrialmente dependente, o sul era ferrenho defensor do
livre-cambismo, mais um contraponto com o norte protecionista.
O Acordo de Mississipi em
1820 proibia a escravidão acima do paralelo 36o40â?T. Em conseqüência,
o presidente Monroe, que assinara o tratado, foi homenageado com a
denominação de "Monróvia", para capital do Estado da Libéria,
fundado na África em 1847, para receber os escravos libertados que
quisessem voltar à sua terra.
Em 1852, Harriet Beecher Stowe publicou a romance abolicionista A Cabana
do pai Tomás, que vendeu 300 mil cópias só no ano de sua edição,
sensibilizando toda uma geração na luta pelo abolicionismo. Dois anos
depois surgia o Partido Republicano, que abraçou a causa do
abolicionismo. Em 1859 um levante de escravos foi reprimido na Virgínia
e seu líder John Brow foi enforcado, transformando-se em mártir do
movimento abolicionista.
Em 1860 o ex-lenhador que chegou a advogado Abraham Lincoln, elege-se
como primeiro presidente pelo Partido Republicano. O Partido Democrata,
apesar de mais poderoso, estava dividido entre norte e sul, o que
facilitou a vitória de Lincoln. Apesar de sempre ter assumido posições
apenas moderadas em relação à escravidão, Lincoln era visto pelos
latifundiários escravistas do sul como um verdadeiro revolucionário e
em 20 de dezembro de 1860 iniciava-se na Carolina do Sul um movimento
separatista, que seguido por outros seis Estados, reuniu-se no Congresso
de Montgomery no Alabama, decidindo pela criação dos "Estados
Confederados da América".
A secessão estava
formalizada e o norte não poderia aceitar. Iniciava-se assim em 1861 a
maior guerra civil do século XIX, a Guerra de Secessão, também
conhecida como "Guerra Civil dos Estados Unidos" ou ainda como
"Segunda Revolução Norte-Americana", que se estendeu até
1865 deixando um saldo de 600 mil mortos.
Enquanto o sul possuía apenas 1/3 dos 31 milhões de habitantes do país
e somente uma fábrica de armamentos pesados, o norte já contava com um
sólido parque industrial, uma vasta rede ferroviária e uma poderosa
esquadra. Mesmo com esse contraste totalmente desfavorável, foi o sul
que lançou a ofensiva, criando uma nova capital -- Richmond -- e
elegendo para o governo Jefferson Davis, que a 12 de abril de 1861
atacou o forte de Sunter.
Inicialmente, a guerra
mostrava algumas vitórias do Sul, que em 1862, instituiu o serviço
militar obrigatório e convocou toda população para guerra.
A Guerra de Secessão é considerada a primeira guerra moderna da história,
fazendo surgir os fuzis de repetição e as trincheiras, que irão
marcar de forma mais acentuada, a Primeira Guerra Mundial entre 1914 e
1918. As novas técnicas eliminam o sabre e o mosquete, pois a luta
corpo a corpo tornava-se cada vez mais difícil. No mar surgiam os couraçados,
modernas embarcações responsáveis pelo decisivo bloqueio naval que o
norte impôs sobre o sul.
Em setembro de 1862 foi abolida a escravidão apenas nos estados
rebeldes. A abolição efetiva só ocorreu em 31 de janeiro de 1865. Em
9 de abril de 1865 o general sulista Robert Lee oficializa o pedido de
rendição ao general nortista Ulisses Grant. Alguns dias depois Lincoln
é assassinado pelo fanático ator sulista John Wilkes Booth.
Com um saldo de 600 mil mortos e o sul devastado, a guerra radicalizou a
segregação racial surgindo associações racistas como Ku-Klux-Klan,
fundada por brancos reacionários em Nashville no ano de 1867.
Com origem na atuação de
veteranos confederados sulistas desde 1865, a fundação da Ku-Klux-Klan
ocorre dois anos depois em Neshville, com o objetivo de impedir a
integração dos negros como homens livres com direitos adquiridos e
garantidos por lei após a abolição da escravidão.
Como sociedade secreta
racista e terrorista, a Ku-Klux-Klan, também conhecida como "Império
Invisível do Sul", era presidida por um Grande Sacerdote, abaixo
do qual existia uma rígida hierarquia de cargos dotados de nomes
sinistros como "grandes ciclopes" e "grandes titãs".
O traço característico de seus membros era o uso de capuzes cônicos e
longos mantos brancos, destinados a impedir o reconhecimento de quem os
usava.
A intimação contra os negros atingia também em menor escala brancos
que com eles se simpatizavam, além de judeus, católicos, hispânicos e
qualquer forasteiro que se posicionasse de forma contrária aos
interesses da aristocracia sulista. A prática de terror dava-se desde
desfiles seguidos por paradas com manifestações racistas, até
linchamentos, espancamentos e assassinatos, passando ainda por incêndios
de imóveis e destruição de colheita.
Proibida em 1877, em
decorrência de seus atentados racistas, a Ku-Klux-Klan foi reorganizada
em Atlanta, tornando-se um numeroso grupo de pressão com cerca de 1
milhão de membros em 1922. Decadente às vésperas da crise de 1929,
fortaleceu-se na década de 1960 em oposição à política democrata de
integração racial, sendo fortemente combatida pelo presidente Lyndon
Johnson (1963-69). Destaca-se na luta contra o racismo os líderes
negros como Martim Luther King e Malcom X, além de organizações como
os Panteras Negras.
Apesar do congresso norte-americano ter tentado extinguir a atuação da
Ku-Klux-Klan com a aprovação de leis, manifestações racistas ainda
fazem parte da rotina de várias regiões dos Estados Unidos nesse início
de milênio.
Entre abril e maio de 2001 a
questão racial esteve presente em importantes diários e semanários do
mundo, em razão de dois acontecimentos ocorridos nos Estados Unidos: o
julgamento e condenação por crime racista de um ex-membro da Ku-Klx-Klan
e o plebiscito no Mississipi que decidiu manter em sua bandeira um
símbolo associado à defesa da escravidão.
Ex-membro da KKK é condenado
por crime racista
No dia 15 de setembro de 1963 um
atentado a bomba destruiu uma igreja batista na cidade de Birmingham, no
estado do Alabama provocando a morte de Cynthia Wesley, Carole Robertson,
Addie Mãe Collins e Denise McNair. Eram quatro meninas negras entre 14 e
11 anos de idade. O caso, considerado um dos crimes mais chocantes da
história dos Estados Unidos, também provocou ferimentos em mais de 20
pessoas que estavam reunidas no local, conhecido por ser um dos principais
centros de militantes da causa negra na cidade. Naquela época as
autoridades locais eram facilmente corrompidas pelas famílias brancas
mais reacionárias, que manipulavam e camuflavam as investigações, já
que estavam articuladas em grupos racistas que lutavam pela supremacia
branca, como a Ku Klux Klan. Inclusive, o caso não foi julgado antes
porque as autoridades, incluindo um ex-diretor do FBI, não acreditavam
que Thomas Blanton pudesse ser condenado por um júri do Alabama.
Agora,
após 38 anos a cidade de Birmingham sente-se um pouco mais redimida. No
dia 1 de maio de 2001 o júri do Estado do Alabama condenou à prisão
perpétua o ex- membro da KKK, Thomas Blanton, acusado de ter participado
do atentado que matou as quatro meninas em 1963. Dos quatro autores da
explosão, somente Thomas Blanton permaneceu vivo e sua condenação está
sendo considerada muito significativa para uma cidade que já chegou a ser
chamada de BoMbingham, devido aos constantes atentados de que foi palco.
Eleitores do Mississipi
mantém símbolo racista
Se
a justiça do Alabama está fazendo uma espécie de "mea culpa",
com a condenação de Thomas Blanton, a população do Mississipi parece
justificar o escritor William Falkner, que uma vez chamou sue Estado
natal, o Mississipi, de o "lugar onde o passado nunca morre". Através
de um plebiscito realizado no dia 17 de abril de 2001, a ampla maioria dos
eleitores do Estado do Mississipi optou em manter sua bandeira de 107 anos
de idade, que ostenta, em seu canto superior esquerdo, o símbolo
utilizado pelos sulistas (confederados) na Guerra Civil norte-americana, a
Guerra de Secessão, ocorrida entre 1861 e 1865, que deixou um salde de
600 mil mortos. A cruz azul contendo 13 estrelas brancas é considerada
uma referência ao passado racista dos Estados Unidos, já que os sulistas
lutavam pela manutenção da mão-de-obra escrava, que sustentava a
riqueza dos latifundiários agro-exportadores de tabaco e algodão.
A
decisão faz do Mississipi o único Estado americano a preservar um sinal
da luta separatista em seus símbolos oficiais. A preferência pela velha
bandeira alcançou 65% do eleitorado, contra 35% que preferiam trocá-la
por uma bandeira contendo no canto superior esquerdo um circulo de
estrelas.
Durante décadas, políticos e membros da comunidade negra
tentaram se livrar da cruz, considerada uma apologia ao racismo. Os negros
representam cerca de 1/3 do eleitorado no Mississipi e mesmo seu apoio
mássico à mudança não teria sido suficiente. Muitos inclusive, não
chegaram a se empolgar com a campanha e nem apareceram para votar, o que
demonstra uma certa frustração diante de algo tão abominável e ainda
presente no mundo de hoje, como a segregação racial.
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