No quase um quilometro quadrado da antiga
Jerusalém está o berço do Cristianismo, pois ali Jesus foi crucificado; o berço
do Judaísmo, ali ficava o templo de Salomão, onde hoje é uma mesquita; e também
é a terceira cidade mais importante do Islamismo, pois ali Maomé se ascendeu
ao céu.
O Templo de Salomão ocupa posição de destaque na simbólica maçônica (o
conjunto de símbolos da Maçonaria ou a disciplina que estuda esses símbolos).
Pois bem, uma das mais marcantes fontes de símbolos, alegorias, lendas,
ensinamentos maçônicos, é, inequivocamente, a construção do Templo de Salomão.
Inclui-se nas mais antigas tradições dos operários da Idade Média e, até com alguns excessos,
ainda integra os mais poéticos temas dos maçons especulativos deste final de Século XX. Dela
se extraem as mais diversas mensagens tanto na vertente anglo-saxônica (o mundo
cultural britânico) como na vertente latina (o mundo cultural francês) em
diversos ritos e graus.
Sim, a didática maçônica
utiliza intensamente símbolos, alegorias, lendas e mitos. Um dos defeitos desse
método é a confusão (muito comum, diga-se de passagem) que alguns fazemos
entre história e lendas - um incrível emaranhado de idéias e opiniões
conduzindo-nos, às vezes, a desvios indesejáveis. Na realidade dever-se-ia
distinguir o que se constitui em concreto elemento histórico do que é
meramente lendário, havendo um segundo nível de distinções necessárias,
onde separam-se lendas com algum fundamento histórico ou literário (a História
bíblica, por exemplo) dos mitos totalmente imaginários, decorrentes de uma
cadeia de invenções ditas esotéricas, sem fundamento algum, que acabam por se
transformar em verdades. Isso não é bom. O uso de símbolos (já em si
exigindo imaginação) não pode conduzir à superstição ou à idolatria,
desvios que, de modo especial, nossa sublime ordem condena (como, enfim, condena
a todos os vícios).
A tradição maçônica
Quanto ao Templo de Salomão
veja que o próprio James Anderson afirmaria no livro da Constituição (1723)
que “os israelitas ao deixarem o Egito, formaram um Reino de Maçons”; que
“sob a chefia de seu Grão-Mestre Moisés (…) reuniam-se freqüentemente em
loja regular, enquanto estavam no deserto”, etc. . Vale a pena (e a
curiosidade) ler essas páginas da história lendária de nossa sublime Ordem
contada por Anderson (fls. 8 a 15) que podem ser encontradas in Reprodução das
Constituições dos Franco-Maçons ou Constituições de Anderson de 1723, em
inglês e português (trad. e introd. de João Nery Guimarães, Ed. Fraternidade
S. Paulo, 1982). De fato, realmente, Anderson apenas repetia velhas lições
transmitidas por antigos documentos de maçons operários, reunidos para seu
exame e síntese. As Obrigações eram lidas na cerimônia de ingresso de um
aprendiz na loja medieval (algo análogo à iniciação de nossos dias), para
que o novo membro aprendesse a história da arte de construir e da associação
que o recebia. Inteirava-se das regras de bom comportamento e das exigências
morais a que deveria se conformar. Outrossim, de alguma forma, esses antigos
documentos serviam com finalidade análoga a das nossas atuais cartas
constitutivas, emprestando regularidade à loja. O leitor interessado encontrará
detalhes e documentação in O Templo do Rei Salomão na Tradição Maçônica,
Alex Horne (trad. Otávio M. Cajado, pref. De Harry Carr; Ed. Pensamento, S.
Paulo, 9a. ed.,1997, cap. V., p. 59 e segs.).
Os antigos catecismos maçônicos
(séries estereotipadas de perguntas e respostas) do Século XVIII também se
refeririam com freqüência à construção do Templo de Salomão que,
inequivocamente, integra tradições anteriores à Grande Loja de Londres
(1717). Se os manuscritos, manuseados por Anderson e seus companheiros, para
escrever o Livro da Constituição de 1723, não são exatamente conhecidos,
centenas de velhos outros pergaminhos sobreviveram, foram encontrados, guardados
e interpretados, servindo de fonte das mais autênticas para a história da
sublime Ordem. E nesses antigos deveres (em muitos deles) já se falava na
construção do Templo de Salomão pelos maçons.
Convém contudo, no concernente à historiografia, tratar tais documentos
com certa reserva. Em sua origem foram escritos por religiosos medievais,
devotados a Deus sem dúvida nenhuma, mas despossuídos de crítica historiográfica.
Presume-se que monges cristãos transmitiram essas lições a operários
iletrados (nossos avós) e que tais documentos foram sendo copiados,
recopilados, etc., mantendo a visão de uma época que muito desconhecia de História.
A tradição bíblica
O Templo de Salomão,
outrossim, integra as narrativas do livro mais respeitável na sociedade
ocidental - a Bíblia. Ao sair do Egito, conduzido por Moisés, o povo hebreu não
possuía uma religião definida, muito menos um templo.Tão somente após o episódio
no monte Sinai - quando Moisés recebe de Deus as normas fundamentais da Lei bem
como as instruções exatas quanto à construção da Tenda Sagrada (o Tabernáculo)
- é que os hebreus passam a ter um local específico de culto, nessa Tenda
abrigando os objetos sagrados, a saber: a Arca da Aliança, a Mesa dos pães ázimos
(ou sem fermento), o Candelabro de sete braços (Minorá). Haveria também um
altar para queimar as ofertas sacrificais, outro para queimar incensos
(perfumes) e uma pia de bronze (todos conhecem essa história). E enquanto o
povo vagava pelo deserto, Deus orientava quando, onde e por quanto tempo
estacionar. Os retirantes do Egito levantavam seu acampamento de um lugar ao
outro somente quando a nuvem que cobria o Tabernáculo (indicando a presença do
Eterno) se erguia e indicava o caminho a ser seguido. Durante o dia, a nuvem; a
noite, uma coluna de fogo (veja em Êxodo, 40.34-38; ou em Números, 9.15-23). E
foram quarenta anos.
Antes de Jerusalém ser transformada por David na capital do reino, ainda no tempo de
Samuel (um sacerdote, juiz, profeta, mediador, chefe de guerreiros - Deus,
falando a Jeremias, equipararia Samuel a Moisés - Jer. 15.1) - a Arca ficou
guardada em um templo, em Silo, sob os cuidados da família de Eli, também
sacerdote. Em Silo, Josué (que sucedera a Moisés) acampara o povo pela última
vez (Josué, 18.1 e sgs.). Esse pequeno templo de Silo foi, presumidamente,
destruído pelos filisteus (Jer. 7.11-12: “Será que vocês pensam que o meu
Templo é um esconderijo de ladrões? Vão a Silo, o primeiro lugar que escolhi
para nele ser adorado, e vejam o que fiz ali por causa da maldade de Israel.”
Assim falou o Eterno.). Outrossim
houve também o templo de Betel, às margens da estrada que ligava Siquém a
Jerusalém - Betel, tão ao gosto dos maçons, mas sede de um culto desviado,
esse é o fato. Em Betel seria adorado um deus de mesmo nome, que causaria
desilusões aos israelitas (Jeremias, 48.13). Esse templo, rejeitado pelos
profetas (Amós, 10.13), ficou sendo o santuário do reino do norte, nele
havendo a imagem idólatra de um touro (1 Reis, 12.29). Sim, Betel - embora
suscite a lembrança do altar construído por Abraão (Gen. 12.8), o sonho de
Jacó com sua escada (tão ao gosto maçônico) e a pedra comemorativa que ali
foi erguida (Gen. 28.10-22) - tem essa parte negativa de idolatria também. Pois
é.
David, já consagrado rei,
levaria a Arca da Aliança para Jerusalém (1 Crônicas15.25-28). Tão alegre e
festivo esteve David nesse cortejo (cantando e dançando com o povo), que Mical,
sua esposa, filha de Saul, sentiu desprezo por ele (1. Cron., 15.29). Contudo o
tabernáculo e o altar dos sacrifícios continuariam em Gabaon, posto que David
caíra em desgraça aos olhos de Deus. Derramara sangue em abundância, fizera
guerras em demasia e, por isso mesmo não poderia edificar em nome de Deus (ver
I Cron. 22.6-19). Somente Salomão teria a glória de construir o Templo - o
primeiro de Jerusalém, posto a ocorrência de mais dois templos: o construído
por Zorobabel, após o exílio na Babilônia, e o construído por Herodes (todos
conhecem essa história).
Fontes extrabíblicas
Apesar das minuciosas descrições
registradas na Bíblia, ainda não foi possível, contudo, se ter certezas
quanto a esse primeiro templo de Jerusalém. Não há registros extrabíblicos.
As escavações arqueológicas ainda não apresentaram alguma comprovação válida
da existência dessa obra. Explica-se tal ausência de restos arqueológicos à
completa destruição que teria sido realizada por Nabucodonosor, ou ao fato de
insuficiência de escavações no próprio sítio atribuído à localização do
Templo. Esse lugar (santificado por diversas linhas religiosas) seria o hoje
ocupado pela belíssima e muito sagrada Mesquita de Omar, ou o Domo da Rocha,
onde Abraão, obediente a Deus, quase sacrifica seu próprio filho, Isaac (Gen.
22.1-19) - onde, de modo significativo, a tradição islâmica localiza Maomé
subindo ao Céu (portanto mais do que justificado o impedimento maometano em
permitir escavações naquele local santificado). Contudo, causando decepção,
não são encontrados, também, registros arqueológicos (monumentos
comemorativos) da vitória de Nabucodonosor, como, por exemplo, podem ser
encontrados registros do triunfo romano de Tito, seiscentos anos após,
destruindo o templo construído por Herodes (a terceira construção na série
histórica).
Fala-se no célebre “muro das lamentações” como tendo sido parte da grande
alvenaria de arrimo na esplanada do Templo. Contudo as determinações científicas
de datas ali procedidas dão ao muro idade próxima à década anterior ao
nascimento de Cristo, tornando-a uma obra mais adequada de ser atribuída ao
terceiro templo, destruído pelos romanos.
Contudo Salomão foi
efetivamente um grande construtor. Sua época - historicamente considerada,
arqueologicamente comprovada - foi de grande prosperidade. Um dos registros
arqueológicos mais significativos dessa época, é o da cidade de Megido, um
complexo notável, cavalariças com seus pilares em série, talhados em pedra
calcárea. Há, outrossim, ainda do tempo de Salomão, restos arqueológicos da
fundição-refinaria de cobre em Ezion-Geber, produtora da matéria-prima que
serviria de ornamentos e utensílios de bronze (que as narrativas bíblicas
apontam ao Templo). Outrossim (mesmo sem descobrimentos arqueológicos em
Jerusalém) pelo resultado de outras escavações e estudo de documentos
diversos (o leitor interessado encontrará detalhes e documentação em Alex
Horne, op. cit., Cap. IV, p. 37 e sgs.) é possível estabelecer conclusões
quanto à arquitetura atribuída ao Templo de Salomão, no que concerne à
ornamentação, disposição das dependências, técnica construtiva, comparando
a tradição bíblica com restos arqueológicos de outros templos do Oriente próximo.
São lições preciosas.
Conclusão
Enfim, o maçom é mestre na
arte de compor oposições e não desprezará o repositório inesgotável de
ensinamentos velados por alegorias que nos proporciona a história (ou a lenda)
da construção do Templo do Rei Salomão. Não desprezará a tradição dos maçons
operários, só porque a Arqueologia ainda não obteve provas insofismáveis.
Ademais não se negará a tradição bíblica tão apenas por insuficiência de
escavações arqueológicas.
É lição de Jules Boucher
contida no célebre A Simbólica Maçônica - segundo as regras da simbólica
esotérica e tradicional (trad. de Frederico O. Pessoa de Barros, Ed.
Pensamento, S. Paulo, 9a. ed., 1993, p. 152): os maçons não tentamos
reconstruir materialmente o Templo de Salomão; é um símbolo, nada mais - é o
ideal jamais terminado, onde cada maçom é uma pedra, preparada sem machado nem
martelo no silêncio da meditação. Para elevar-se, é necessário que o
obreiro suba por uma escada em caracol, símbolo inequívoco da reflexão. Tem
por materiais construtivos a pedra (estabilidade), a madeira do cedro
(vitalidade) e o ouro (espiritualidade). Para o maçom, ensina Boucher, “o
Templo de Salomão não é considerado nem em sua realidade histórica, nem em
sua acepção religiosa judaica, mas apenas em sua significação esotérica, tão
profunda e tão bela”.
O Templo de Salomão é o templo da paz. Que a Paz do Senhor permaneça em nossos corações!
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