Este é um termo que suscita imensa dificuldade a quem pretende falar com
calma límpida, sem rodeios e sem deslizes nos seus contornos, a menos
que se assuma atitudes contraditórias entre o falar e o viver.
Muitos foram os
filósofos que na Antigüidade pregaram a virtude sem, contudo, dar o
seu testemunho. Nesse aspecto, notabilizaram-se os cínicos. Não
obstante, Sócrates e Buda viveram tal qual os seus ensinamentos,
formando um rasto luminoso na passagem dos tempos, enquanto prepararam o
terreno para a descida do Grande Mestre, o Nazareno.
Platão, na Grécia
antiga, teve o privilégio de ser discípulo de Sócrates e acompanhá-lo
até sua morte, condenado pelos Onze de Atenas. Os amigos de Sócrates
tramaram para libertá-lo e assim evitar sua injusta condenação à
morte. Ele não o aceitou, conseguindo demonstrar que tal atitude seria
injusta e covarde, e serviria para negar tudo o que pregara. Morreu
convencido de estar prestando um serviço à humanidade, sobretudo,
preservando a verdade.
Aristóteles, por
sua vez, discípulo de Platão, dedicou-se à ética socrática, à retórica
dos sofistas e à metafísica platônica. Foi o maior sistematizador da
Ética.
Em sua obra “Ética”,
Aristóteles estuda a virtude, assegurando que ela se desenvolve no
homem através de seu exercício. Divide-a em dois grupos: as virtudes
éticas e as virtudes dianoéticas. "Entre as primeiras, Aristóteles
relaciona a “liberalidade” e a “temperança”, e, entre as
dianoéticas,
a sapiência, a “inteligência” e a prudência”.
Nos dias atuais, a
virtude tem escasseado no comportamento humano. Na medida em que a
tecnologia avança e o homem adquire poder incomparável de acumular
bens e concentrá-los em poucas mãos, imagina ele que isso lhe confira
direitos excepcionais sobre os seus semelhantes.
Em verdade, a
concepção reinante é no sentido de que o ouro exerça extraordinário
poder sobre o homem a ponto de escravizá-lo e embrutecê-lo.
Processa-se, destarte, uma insuportável inversão de valores no seio da
humanidade, de tal modo que os mais destacados, como tais se apresentam,
não pela sua sabedoria ou pela sua capacidade de compreensão, mas pelo
seu poder material, abusando no trato com os seus semelhantes através
da arrogância, da prepotência a dos desmandos.
Aristóteles faz,
ainda, alusão em sua obra, ao conceito já consagrado, segundo o qual
“a virtude está nos meios, e, a propósito, explica, por exemplo, que
entre a avareza e a prodigalidade, a virtude se situa a meio caminho. Do
mesmo modo, diz que entre a covardia e a intrepidez, a virtude é do
comedido.
Mas, explica Aristóteles,
esta regra não é infalível porque, por exemplo, no sentimento de
amizade entre irmãos, entre pais e filhos, etc. a virtude está no
superlativo.
Sem dúvida, meus
irmãos, a virtude pode-se conter na máxima do Grande Mestre: “Ama o
teu próximo como a ti mesmo”.
É evidente.
Aquele que ama o próximo, não o engana. Pratica, pois, a virtude da
honestidade. Aquele que ama o próximo, respeita os seus sentimentos e não
lhe repudia os seus ideais. É, portanto, tolerante e compreensivo.
No espírito
desenvolvemos a virtude através do aprendizado constante que dilata
nossa inteligência a novos horizontes, expandindo-nos a sapiência
através de nossa capacidade de compreender o micro e o macrocosmo. A
prudência, por sua vez, é o indispensável componente cultural que nos
preserva de muitos vícios e nos guia com segurança ao encontro de
nossas mais justas aspirações.
Reconhecer nas atitudes menos
edificantes do próximo nossos próprios defeitos é comportamento, não só de tolerância, mas,
sobretudo, de sabedoria, com vistas a eliminar vícios do nosso próprio
campo de ação. Identificar nas virtudes de nossos irmãos mais
experimentados os nossos próprios objetivos é, igualmente, atitude sábia,
porquanto, assim, maximizamos as oportunidades de aprendizado.
O respeito que
procuramos granjear no seio da coletividade é como uma pista de duas mãos
que exige de nós o respeito em relação a cada componente dessa
coletividade.
O sentimento de
solidariedade para com o próximo, nas suas vicissitudes, é, do mesmo
modo, imposição de sabedoria, pois o socorro que prestamos ao nosso
irmão é aquele que desejamos para nós mesmos nos momentos de angústia.
E, quem está isento de necessitar do socorro do próximo?
É compungente
observar que o homem, quanto mais se diz civilizado, mais se torna
insensível à dor do seu próximo. Quase todos os dias, nos grandes
centros urbanos do Planeta, um ou vários transeuntes perecem sob a ação
de assaltos, de enfartes ou outros acometimentos em meio à plena multidão
que a tudo assiste na mais fria indiferença, muitas vezes, sem alterar
o ritmo dos seus passos. Para onde vai o homem nessa pressa e nessa
frialdade? Chegará, por acaso, em algum lugar? Terá ele por vocação
o vazio, o abismo, o nada?
A indiferença, a
incredulidade, a misantropia e a frialdade são vícios que entorpecem a
alma, tanto quanto o uso abusivo do álcool, a luxúria, a cupidez, o
egoísmo, a arrogância, a intolerância, a prepotência e a ingratidão.
Em verdade, o homem viciado é, acima de tudo, uma vítima de seus próprios
sentimentos embrutecidos, contra o que só a força da virtude poderá
erguê-lo ao convívio sadio com os semelhantes e ao encontro de si
mesmo.
Assim, no respeito
e no amor ao próximo podemos encontrar a potência do Grande Arquiteto
do Universo, dando-nos força à alma e expandindo-nos o coração à
grande meta da ‘felicidade". Rogo, portanto, a Ele que derrame
sobre cada um de nós Suas luzes e que estas sejam por nós captadas e
multiplicadas no caminho da virtude que temos de percorrer através de
nossas vidas.
Já disse, ao início,
que é difícil assumirmos uma posição autêntica nos preceitos da
virtude, exatamente porque somos humanos e talhos. Entretanto, se nos
acordamos para a sua prática, até mesmo como imposição de bom-senso,
devemos conscientizar-nos de que o passo inicial dessa grande jornada se
circunscreve no campo da mente. É preciso, antes de tudo, assumirmos
uma atitude mental coerente, a começar pelo humilde reconhecimento de
que nada ou quase nada ainda somos, a despeito, muitas vezes, de certo
cabedal de conhecimentos já conquistados.
A humildade é uma
das virtudes maiores e, por isso mesmo, dificílima de ser cultivada. É
a virtude dos sábios. Com a sua prática, abrem-se largas portas para a
aquisição do conhecimento.
Em contrapartida,
o presunçoso e o arrogante afugentam as oportunidades de aprendizado.
Eis que ele se imagina senhor do conhecimento, sempre disposto a refutar
as experiências do seu semelhante.
Se tivéssemos de
estabelecer aqui um paralelo entre cada virtude e o respectivo vício
que se lhe opõe, teríamos de concluir que o cultor da primeira exprime
sempre maturidade, enquanto que o do segundo só reflete puerilidade.
Por aí, também, se conclui que a virtude não é apenas uma revelação
do comportamento místico dos santos; mas, sobretudo, um indício de
sabedoria do homem que a cultiva, identificando-o com o desejo de ser
bom ao próximo para ser bom a si próprio.
Permita o Grande
Arquiteto do Universo que aqui nesta loja o sentimento da fraternidade
nos domine a cada momento, de nós afugentando a discórdia e a dúvida,
e unindo-nos sempre como verdadeiros irmãos para que nós todos, de braços
dados, possamos cavar masmorras ao vício e erigir templos à virtude.
Ir.·. F. Nepomuceno |