O objetivo deste
trabalho é lançar um pouco de luz sobre alguns aspectos históricos
mal conhecidos do movimento maçônico feminino no Brasil. Apenas para
introduzir o tema, vale a pena recordar as origens desse movimento no
contexto mundial.
É bastante
conhecido o episódio da iniciação da Srta. Marie Deraismes na Loja
Libres Penseurs, dependente do Grande Oriente da França, na cidade de
Pucq, em 1882, em cerimônia presidida pelo Venerável George Martin.
Essa cerimônia é
considerada uma espécie de marco inicial de um movimento progressista e
renovador que culminou com a fundação do que se chamou Grande Loja da
Maçonaria Simbólica Escocesa "Le Droit Humain" (hoje Ordem
Maçônica Mista Internacional "Le Droit Humain").
Posteriormente expandiu-se para um Supremo Conselho Internacional, com
sede em Paris. Atualmente está estabelecida em muitos países, onde
mantém Federações de Lojas com governo próprio, mas sob a jurisdição
do mesmo Supremo Conselho.
A primeira Loja na
Inglaterra, como fruto dessa semente, foi fundada em 1902, em Londres,
sob o nome Human Duty, e a primeira no Brasil foi instalada em 1919, no
Rio de Janeiro, com o nome de Loja Isis.
Menos conhecido,
entretanto, é o fato de que, já em 1775, foi eleita a Duquesa de
Bourbon Grã Mestra (Venerável) da Loja Santo Antônio, na França,
possivelmente sob a inspiração e com a participação do conde Cagliostro, uma figura estranha e controvertida, com certeza vítima de
perseguição e calúnia (conforme foi descoberto em pesquisa direta do
processo pelo Irmão Franz Hartmann ) . Mas era indiscutivelmente um
defensor da presença feminina nas iniciações, conforme prova a criação
por ele, em 1786, na cidade de Lyon, do Rito Egípcio da Maçonaria Andrógina,
cuja primeira mestre Honorária foi a princesa Lamballe. Em 1786, na Rússia,
a Imperatriz Catarina II presidia a Loja Clio.
Entretanto, nenhum
maçom culto pode negar que historicamente a Maçonaria é muito
anterior ao século XVIII. E houve sempre mulheres participando dos
antigos ritos, desde o velho Egito. Existe um mural bastante reproduzido
atualmente, que retrata a recepção de um Adepto osiriano, que está na
postura exata do grau de Companheiro, numa cerimônia presidida por uma
sacerdotisa.
Segundo Gervásio
de Figueiredo, autor de um dos mais conceituados Dicionários de Maçonaria:
"Se remontarmos a origem da Ordem aos antigos mistérios do Egito,
Grécia e Roma, sem esquecer a escola de Pitágoras, fundada em Crotona
em 529 ªC., calcada nesses mistérios, e depois difundida pela Grécia,
ali encontramos iniciados homens e mulheres, passando todos igualmente
pelas mesmas provas e cerimônias"...
"Se, porém,
preferirmos encurtar a idade da Maçonaria e situar sua origem nas
Corporações Operativas da Idade Média, se então nada descobrimos
expresso claramente a favor dessa tese, também nada deparamos
contra."... "Há provas de que a Maçonaria Operativa daquela
época tinha no mínimo a colaboração feminina. Num documento datado
de 1390, em forma de versos, lê-se no art. 10, versos 203 e 204:
"que nenhum mestre suplante outro, senão que procedam entre si
como IRMÃO E IRMÃ"...
Assim, realmente,
a primeira vez que a proibição à mulher surge é no Livro das
Constituições, compilado e publicado em 1723 por James Anderson, presbítero
anglicano e Grande Vigilante da Grande Loja de Londres – repetida mais
tarde no Landmark nº 18 compilado por Mackey em sua Enciclopédia – e
que acrescenta as mulheres à mesma categoria dos escravos e dos
aleijados para fins de ingresso na Ordem.
Tal proibição,
no entanto, não impediu em nada, como se vê, o crescimento das Lojas
Mistas ou Femininas e não intimidou os homens de visão em todo o
mundo, que não só participaram e freqüentaram tais Lojas, como
estimularam e promoveram a fundação de muitas delas. Exemplo disso foi
um maçom tão conceituado como Oswald Wirth, sob cuja orientação se
faz hoje boa parte da decoração de nossos Templos: ele pertencia e foi
fundador de diversas Lojas Mistas no Chile, conforme nos atesta o Ex-
Soberano Grande Comendador do Grau 33 da Grande Loja Mista do Chile,
nosso ilustre nonagenário Irmão Luís Brucher Encina (hoje falecido),
que foi seu contemporâneo e companheiro nas lutas maçônicas desse país
durante alguns lustros.
Mas, vejamos como
foi que a mulher entrou na Ordem Maçônica no Brasil. Homens de uma
extraordinária visão e cultura universal dirigiam os destinos dos então
existentes Grande Oriente do Lavradio e Grande Oriente dos Beneditinos.
Homens do porte de um Visconde do Rio Branco e Joaquim Saldanha Marinho.
A Monarquia agonizava e a Maçonaria lutava em duas frentes: a abolição
da escravatura e a preparação da República. Um vento de reformas e
mudanças soprava em nosso País. E na província de São Paulo, berço
da Independência do Brasil, um fato inédito ocorreu aos 14 dias de
janeiro de 1871: um grupo de homens fundou uma loja de mulheres.
A Loja recebeu a
designação significativa de 7 de Setembro, foi desde o início uma
Loja Capitular e sua primeira Grã Mestra (Venerável) foi a Sra. D.
Francisca Carolina de Carvalho, sendo Secretária a Sra. Philadelpha
Maria de Oliveira Paes, e Oradora a Sra. Constantina Augusta de Oliveira
Campos.
Os fundadores da
Loja eram irmãos pertencentes ao quadro das Oficinas Amizade, 7 de
Setembro e América, do Grande Oriente dos Beneditinos, mais tarde unido
ao Grande Oriente Unido do Lavradio, cuja fusão em 1872 deu origem ao Gr:. Or:. Unido e Supremo Conselho do Brasil.
Em 10 de julho de
1872, a Augusta e Respeitável Loja Capitular 7 de Setembro recebeu uma
Comissão de Regularização que, em nome do Grande Oriente Unido do
Brasil, concedeu o Breve Constitutivo, em obediência a um decreto de 15
de dezembro de 1871. O presidente da Comissão foi o Venerável da
Augusta Respeitável Loja Capitular Amizade, o Ilustre Irmão Dr.
Joaquim Augusto de Camargo.
A título de
Estatutos da novel "Loja de Adopção", constam dos Anais de
1871 a 74 da Augusta Beneficente e Respeitável Loja Capitular 7 de
Setembro, sob os auspícios do Grande Oriente Unido do Brazil, as
dispensações regulamentares mandadas observar provisoriamente pelo
Grande Inspetor Geral do Grau 33, Antônio Egydio de Moraes.
Em sessão econômica
de 20 de abril de 1871, Era Profana, foi concedido ao Respeitável Irmão
João Baptista Paes o título de Membro Honorário. Diz a Carta: "A
muito Augusta e Respeitável Loja de Adopção 7 de Setembro, tendo na
devida consideração vosso reconhecido mérito, serviços e mais
qualidades que vos adornam, como signal e prova da sua apreciação e
reconhecimento do quanto vos deve como um dos fundadores desta Loja de
Senhoras, a primeira em o nosso País ... resolveu conferir-vos o título
de Membro Honorário desta Associação Maçônica..." etc.
Os discursos
proferidos por ocasião do Ato de Regularização foram mandados
imprimir e distribuir entre os Irmãos e Irmãs. O discurso do
presidente da Comissão de Regularização menciona em seu início:
"Os Supremos Poderes da Maçonaria no Brazil, por decreto de 15 de
dezembro de 1871, aprovaram a instalação de vossa Oficina, ...
AUTORIZANDO A FUNDAÇÃO DE LOJAS DA MAÇONARIA DE ADOPÇÃO NO CÍRCULO
DO GRANDE ORIENTE, e pelo breve Constitutivo que vos concede faz certa a
vossa emancipação, vossa independência, MANDANDO INCORPORAR VOSSA
LOJA NO GRANDE QUADRO DA MAÇONARIA E CONFERINDO-VOS IGUAIS DIREITOS E
ATRIBUIÇÕES AOS DAS OFICINAS DE SEU CÍRCULO". E prossegue ele:
"ESTÃO POIS NO VOSSO DOMÍNIO TODOS OS SEGREDOS DA MAÇONARIA,
TODOS OS SEUS MISTÉRIOS; cuidai deles, sois o mais precioso sacrário
de tudo quanto a Maçonaria possui".
O Ilustre Irmão
Kurt Prober em seu Cadastro Geral das Lojas Maçônicas do Brasil, nos dá
conta que essa Loja 7 de Setembro possuía no Cadastro do Grande Oriente
Unido, em 1875, o nº 134, e que em 1878 a Loja era dirigida pela mesma
Sra. D. Francisca Carolina de Carvalho, sendo Secretária a Sra. D.
Guilhermina de Oliveira Campos. O autor nos dá como DESAPARECIDA a Loja
antes de 1882. Não há aparentemente qualquer outro documento da mesma,
que relate como foi que isso aconteceu.
O Cadastro de Kurt
Prober nos mostra a relação completa das Lojas Femininas fundadas sob
a jurisdição do Grande Oriente, seus respectivos números de registro
e datas de concessão das Cartas (ou Breves) Constitutivas.
São nove ao todo, além da supra-mencionada 7 de Setembro, fundadas
entre os anos de 1874 e 1903:
Anita Bocayuva, em Campos, Rio de Janeiro;
Estrela Fluminense, no Rio de Janeiro;
Filhas da Acácia, em Curitiba, Paraná;
Filhas de Hiram, em Juiz de Fora, Minas Gerais;
Filhas do Progresso, no Rio de Janeiro;
Fraternidade, em Bagé, Rio Grande do Sul;
Julia Valadares, em São João da Barra, Rio de Janeiro;
Perseverança, em Ouro Preto, Minas Gerais; e
Theodora, em Barra de Itapemirim, Espírito Santo.
Delas, uma foi dissolvida, uma foi eliminada pela Ordem, três outras
desapareceram, uma ainda teve seu pedido de regularização indeferido e
as três restantes foram sumariamente extintas e suas Cartas
Constitutivas cassadas por ato do Grão Mestre Quintino Bocayuva em 25
de setembro de 1903.
Hoje em dia,
existem diversas lojas femininas ou mistas por todo o Brasil, que operam
de forma independente, ou filiadas a uma potência própria. Adotam
ritos idênticos aos das Lojas masculinas e recebem, com gratificante
freqüência, a visita de irmãos de todos os Orientes, quando então são
revividos com todo o esplendor e beleza as cerimônias que realizavam os
antigos maçons do Egito, da Grécia, da Pérsia, de Roma e da Idade Média
na Europa.
Observação: Os
dados históricos sobre as Lojas Femininas no Brasil, federadas ao
Grande Oriente do Brasil, foram colhidos diretamente das suas Atas, e do
livro publicado à ocasião da fundação da Augusta e Respeitável Loja
Capitular 7 de Setembro, ao Vale de Tabatingüera, 18 -- livro este
contendo os discursos proferidos na festiva data. Os arquivos e
documentos mencionados se encontram no Museu do Grande Oriente do Brasil
em São Paulo, Rua São Joaquim nº 457. Outras informações foram
obtidas no Cadastro de Lojas Maçônicas do Brasil, de autoria de Kurt Prober.
Por Vera
Facciollo
Soberana
Comendadora e Grã Mestra Geral da GLADA |