No início do ano 2000, o Senhor
chamou Noé da Silva e ordenou-lhe:
Dentro de seis meses, farei chover ininterruptamente durante 40 dias e 40
noites, até que todo o Brasil seja coberto pelas águas.
Os maus serão destruídos mas quero salvar os justos e um casal de cada espécie
animal.
E ordena, como na passagem bíblica, a construção de uma arca de madeira.
No tempo certo, os trovões deram o aviso e os relâmpagos cruzaram o céu.
Noé da Silva chorava ajoelhado no quintal quando ouviu a voz do Senhor soar
furiosa entre as nuvens.
- Onde está a arca, Noé? - Perdoe-me, Senhor - suplicou o homem.
- Fiz o que pude, mas encontrei dificuldades imensas. Teria primeiro que obter
uma licença da Prefeitura e pagar altas taxas para obter o alvará.
Acabaram me pedindo contribuição para a campanha do prefeito à reeleição.
Precisando de dinheiro, fui aos bancos e não consegui empréstimos, mesmo
aceitando aquelas taxas de juros. Afinal, nem teriam mesmo como me cobrar depois
do dilúvio.
O Corpo de bombeiros exigiu um sistema de prevenção de incêndio mas consegui
subornar um funcionário.
Começaram então os problemas com o Ibama para a extração da madeira.
Eu disse que eram ordem suas mas eles só queriam saber se o projeto fazia parte
do PPA. Tentei falar com o relator mas eles estavam brigando pelo cargo no
Congresso.
Neste meio tempo, o Ibama descobriu também uns casais de animais guardados em
meu quintal e me aplicaram uma pesada multa.
Quando resolvi começar a obra na raça, apareceu o sindicato exigindo que eu
contratasse seus marceneiros com garantia de emprego por um ano.
Veio em seguida a Receita, falou em sinais exteriores de riqueza e me multou
também.
A Secretaria de Meio Ambiente pediu o Relatório de Impacto Ambiental sobre a
zona a ser inundada. Quando mostrei o mapa do Brasil, chamaram o serviço
psiquiátrico!
Noé da Silva terminou o relato chorando mas notou que o céu clareava.
- Senhor, então não irás mais destruir o Brasil?
- Não! - respondeu a voz entre as nuvens.
- Alguém já se encarregou de fazer isso! |