Existem
diversas razões para brigas entre cães, mas a mais comum delas, e a que causa
mais problemas para quem tem mais de um cachorro em casa, é devido à organização
hierárquica entre eles. Para começar a entender porque cães que moram numa
mesma casa brigam, é preciso primeiro entender como funciona e porque é tão
importante a hierarquia para eles.
Por séculos convivemos com os cães e
os chamamos de melhor amigo do homem. Mas será que conhecemos, realmente,
nossos melhores amigos? Será que nós, humanos, entendemos o que se passa
na cabecinha destes maravilhosos animais? Como eles se organizam e como percebem
o mundo?
A maioria das pessoas não têm a
menor idéia de como funciona o mundo dos cachorros. Para começarmos a entender
esses peludinhos precisamos saber que cães são animais sociais. Eles
precisam e querem conviver numa família, seja esta família canina ou humana.
Outra característica importante no
mundo dos cachorros é forma hierárquica com que eles se organizam. Para
os cães não existe igualdade. Nem eles querem que exista.
Quando um cachorro vive com um grupo
de outros cachorros, seja no fundo do quintal, seja no meio do mato, sempre
haverá um líder. Os outros membros da matilha também estão subordinados uns
aos outros, de forma que os mais fortes e dominantes podem mais, e os mais
submissos podem menos. Quando cada um sabe o seu lugar dentro do grupo,
dificilmente irão ocorrer brigas. Quando elas ocorrem são normalmente
passageiras e significam que um cachorro que ocupa uma posição inferior está
tentando subir um degrau na hierarquia do grupo.
As causas mais comuns para as brigas são
quando o líder da matilha fica muito velho ou doente, ou entre cachorros de
mesmo sexo e mesmo porte que se acham capazes de desafiar um ao outro.
Ao
líder da matilha caberá manter a ordem, a disciplina e a segurança dos outros
cães. Também é dele que partem as ordens de vigilância do território ou o
comando de ataque a uma presa. O líder nunca descansa, está sempre
alerta, com as orelhas bem em pé e parecem sempre estar andando nas pontinhas
dos dedos. Carregam a cabeça alta, fazem ar de importante, mantêm o rabo
bem alto e majestoso, sem falar no olhar intimidador que ele lança para
os cães mais desavisados que ousam interferir no seu sossego.
Aos subordinados cabe ajudar o líder
nas caçadas, defender o território, ajudar a cuidar dos filhotes e,
principalmente, obedecer ao líder, que sempre escolhe o melhor lugar para
dormir, a maior porção de comida, para que lado eles vão passear e
investigar, quando parar para descansar e quando iniciar um ataque.
O que para nós parece maldade ou
tirania, para os cães é apenas a natureza e a forma como eles sobrevivem.
Cachorros não pedem, não negociam, não dão uma segunda chance. Nem tampouco
eles contam até três.
Se você já entendeu esta parte, aí
vão mais algumas considerações que podem ajudar a entender e a enfrentar este
problema.
Normalmente os cachorros que vivem
numa matilha estável (sempre os mesmos "moradores") não ficam
disputando a liderança o tempo todo porque o líder nem dá este tipo de
confiança para os cachorros mais submissos. Quando a matilha é estável o líder
é líder e pronto. Problemas podem acontecer quando novos cães são incluídos
na matilha pelos seres humanos (dificilmente acontece na natureza de um cachorro
estranho se juntar a uma matilha já estabelecida. O grupo só cresce
quando nascem filhotes).
Quando os filhotes nascem, os pequenos
jogos entre eles já vão dizendo quem vai ser o próximo líder. A briga só
acontece quando o filhote líder (agora já adulto) começa a testar o
velho líder para ver se ele já está velho e cansado o bastante para ceder o
posto. No entanto, ao contrário do que possa parecer, o líder da matilha não
é líder só porque ele "bate" nos outros cachorros. O líder é líder
por muitas razões, a menor delas é a força física contra os membros da
matilha. Afinal, se fosse só por medo, a matilha toda poderia tornar o líder
um proscrito e com certa facilidade. Dificilmente o líder tem que ficar se
impondo. Ele é o mais forte, o mais decidido e o que comanda
naturalmente. Os outros o seguem por respeito.
Se
por um lado os cães não demoram muito nem têm muita dificuldade para
estabelecer a regra do jogo entre eles, por outro, os donos mesmo sem saber
estimulam disputas "protegendo" o menos dominante e brigando com o
mais dominante. Por que eles começam a brigar? Porque quando o dono
protege o menos dominante a mensagem que ele está passando é que espera que o
mais fraco domine o mais forte ("vai lá pequenininho, eu estou aqui
e vou te dar todo apoio"). Enquanto isso o mais forte fica tentando provar
para o dono que ele é o mais qualificado para a posição, e a melhor maneira
para provar isto é dar uma "surra" no mais fraco.
É
uma tendência natural do ser humano (não do cachorro) querer equilibrar as
relações, tentando fazer com que todos se sintam bem e que tenham os mesmos
direitos. Para evitar maiores conflitos entre os peludos é preciso aceitar que
existem certos privilégios, de acordo com a posição hierárquica que cada um
ocupa, que devem ser respeitados (pelo menos para o cão isto é muito
importante). Um deles é a proximidade física do líder (especialmente notada
quando os líderes são os humanos). O apoio não vem do líder, parte do cão
mais dominante a decisão de manter o mais submisso meio afastado do líder.
É
um engano pensar que cachorros precisam ser tratados com igualdade e que eles se
sentem infelizes quando são "deixados um pouquinho" de lado.
Nem todos os cães nascem para serem líderes, muitos são submissos por
natureza. Um outro ponto é que ser líder não é uma atividade muito fácil. O
cão tem que cuidar da segurança do grupo (ele nunca dorme direito, está
sempre alerta), ele tem que promover as caçadas, afastar intrusos, manter a
ordem, etc. É muito mais relaxante para os outros cachorros ocupar posições
menos importantes. Uma vez que tudo esteja claro eles vivem muito bem. O
problema é quando a gente bagunça isso, ou quando dois filhotes nascem
geneticamente dominantes. A raça do cachorro também pode ser um fator de forte
influência na freqüência em que vão ocorrer brigas entre os cães. Embora
qualquer cachorro possa arranjar encrenca com outros cães (na maioria das vezes
do mesmo sexo), nos casos dos terriers (inclusive o American Pit Bull) isto e'
uma fato consumado. A socialização do filhote sempre ajuda a diminuir
muito esta tendência para brigas, mas com algumas raças não é totalmente
seguro e garantido deixar duas fêmeas, ou dois machos juntos sem supervisão.
Um
outro ponto que vale a pena lembrar é que nem sempre a dominância é
estabelecida pelo cão mais velho, nem mesmo por quem chegou primeiro no território,
embora esta pareça ser a regra geral. Alguns cães são simplesmente mais
dominantes geneticamente do que outros. São líderes natos e não importa
quem chegue, quando chegue, onde chegue, ou o tamanho que tenha, estes cãezinhos
irão subjugar e seduzir os outros cães pelo poder. Quando se tem dois
cachorros brigando na mesma casa é preciso fazer algumas alterações na nossa
rotina para poder ajudá-los a se ajustar.
Primeiro identifique quem é o cão
mais dominante e portanto com maior propensão para assumir a liderança. Fique
de olho sempre que eles estiverem juntos e vá vendo como eles se comportam.
Se um aceitar bem as correções do outro (geralmente o mais velho vai ser o
mais dominante), dificilmente vão haver grandes confrontos enquanto o mais novo
não atingir a maturidade (mais ou menos 2 anos).
Deixe que os cães estabeleçam quem
é o dominante e quem é o dominado e aceite este arranjo entre eles. De comida,
fale, brinque, faça festa e qualquer outra coisa, sempre para o mais dominante
primeiro. Não tenha pena de deixar o mais submisso em segundo plano.
Para os cães isso é a lei natural das coisas e eles aceitam bem a hierarquia,
desde que ela esteja bem definida.
Coloque-os
para comer em tigelas separadas e ofereça primeiro a comida do mais dominante.
Evite grande sinais de mimos para o menos dominante na frente do mais dominante.
Deixe bem claro que você é, e será sempre, o líder máximo e que não
tolerará
brigas entre eles.
Se as brigas forem poucas e nada sérias
deixe que eles se entendam. Se as "ranhetações" estiverem
incomodando, brigue com o mais submisso e nunca com o mais dominante, mas não
admita, em hipótese nenhuma, que ele (o mais dominante) desobedeça as
suas ordens, mesmo que seja para dar uma dentadinha no mais submisso. A castração
pode ajudar bastante mas deve ser realizada sempre de baixo para cima, ou seja,
do mais submisso para o mais dominante.
Um outro exercício que ajuda bastante
(principalmente para que a introdução de um novo cachorrinho aconteça sem
muitos tropeços) é levar os cães para passear na rua, em local neutro. Cada
um deve ir com uma pessoa, o mais dominante sendo levado pela pessoa que é mais
respeitada e que seja o líder. Procure deixar os cães andarem lado a lado, com
uma ligeira vantagem para o cachorro mais dominante ir na frente. Repita este
exercício todos os dias. Ao chegar em casa libere da coleira primeiro o
cachorro mais dominante e depois o mais submisso. Deixe eles descansarem juntos.
E finalmente, procure não separar os
cães, a menos que eles ofereçam perigo uns para os outros (exceção para os cães
cujas raças são conhecidas e criadas pela sua agressividade contra cães do
mesmo sexo. Com estes todo o cuidado é pouco). Cães separados por muito tempo,
e que já possuem um histórico de brigas, podem se tornar extremamente
territoriais e, dependendo do caso, fica impossível juntá-los novamente.
Claudia
Pizzolatto - claudia@lordcao.com
Treinadora e Especialista em
Comportamento Canino
Lord Cão - www.lordcao.com |